segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

URGENTE -Esforço 2

Sei que fala-se da vida de todas as maneiras e de suas formas. Forma sempre foi uma grande preocupação minha.Eles parecem dominar as suas. Têm formação circense mas o que sempre, sempre me espanta são suas origens, pois são diferentes.
Sei que o pai de Tônia é um historiador, sempre ligava para o teatro, um historiador de nome a quem ela trata com respeito, ma nun tom algo indiferente. Tonho não era procurado por ninguém, vivia muito ao seu lado.Morava longe, eu o achava um cara livre mas ao mesmo tempo sentia que sua liberdade não era nunca no momento agora. Mais parecia uma caminhada.Por que seria tão calado?
Fala-se muito da vida como se diz. Muito bem, muito mal. Falo aqui do esforço, de aventura e superação em Tonho e Tônia. A Aventura de quase não saberem onde estão e, por isso inventarem perfomances surpreendentes, não sei daonde tiram suas composições, sou jornalista e como pode a arte ser hoje revolucionária, e a pessoas também, como podem ser revolucionária de modo tão excepcional como eles propõem? Andam muito de mãos dadas. Nâo são um casal qualquer.
Conheci quando os entrevistei para uma matéria sobre suas perfomances nas ruas. Eles gostam do que noto neles, em todas as vezes, parecem ter um verdadeiro poder de alteração.
Para mim, buscam em exteriorizações um íntimo, diria.E uma cultura. Nem sempre os compreendo de imediato, quer dizer, eles são imediatos demais como aconteceu agora quando sairam do palco. Perfomances imediatas.
Acabaram de correr pelas passagens laterais da platéia com as mãos agitadas para cima e dizendo coisas. Acabaram de sumir.
Provisoriamente sumiram, pois o próximo quadro não estava ainda definido. Não está ainda. Outro quadro. Definido.
Ouvíamos, eu e a faxineira na platéia, ouvímos enquanto eu sublinhava as intenções de denúncia brasileira do espetáculo, de nós mesmos, no subtexto, letra por letra, nós ouvimos eles gritarem também, em off, eles mesmos, cada uma das letras das palavras que eu dizia e proferia!
A faxineira parada olhava para mim e ouvia eles repetirem tudo que eu dizia. A cada letra que gritam, a faxineira espera que voltassem logo. Quase aflita!Engraçada. Uma amiga.
De perfil, braços estendidos e colados à parede, a cor de seu uniforme cinza azulado gasto e minha nudez esperávamos. Voltam...
Precisamos ...vieram correndo. Correram. Chegaram. Estão chegando.
Vestem calças jeans, indigo, tradicionais e camisas de cineastas do cinema novo, de mangas compridas dobradas à altura dos cotovelos e correm. Ele com pulseiras que se agitam nos pulsos. Pulsos barulhentos ao agitarem bem as mãos.Ela agita as mãos, tendo um relógio grande no pulso.
Vêm, vêm pelas passagens laterais da platéia, por onde o público entraria, antes de sentarem-se às poltronas. Esbarram até no iluminador e no sonoplasta, este, o Tonico, gente boa, fez um gesto com o braço, reclamando. O iluminador riu, surpreso! E ainda passou a mão na cabeça de Tônia. Pareciam ter alguma intimidade.
Passam os cinturões largos nas haletas das calças e sobem ao palco, decididos, cabeças empinadas. Pés descalços. Estão no palco! Com muito barulho nas mãos!
Abrem e fecham as fivelas à frente da platéia vazia, os olhos definidos, rápidos, passam pela faxineira que começa a gritar como se num programa de auditório estivesse.
Inclinam-se para a frente, bem à frente, pés bem apoiados no tablado. Agitam muito os braços como uma cantora famosa fazia. Às vezes páram. E, continuam. Retomam suas hélices humanas. Sem música, sem áudio, sem luz especial. Sem uma palavra ando na passarela lateral da sala de espetáculo.
Posturas firmes,inclinados, radicalmente à maneira guerreira de shows de protestos longínquos, rigorosamente sustentadas por seus corpos. Não param, incrível!
Examinativo, chego à primeira fila; os olho, de baixo, na platéia.
Impávidos na boca de cena do palco do Teatro O Mais da Vida numa produção em processo, depois de tanto atuarem em ruas, quase moleques. Como conseguem? Ah, me digo, minha mão apertando o queixo, os filhos da puta, e rio sem demonstrar.
Não me visto ainda e sento e apóio a cabeça no espaldar de uma poltrona da platéia. Fecho os olhos quase os vendo. Tenho este hábito, este costume. De abrir e fechar os olhos.
Entreabro as pálpebras quando começo a ouvir "ohs" e "úis" que chamaram a atenção de todos espalhados pelo prédio e redondezas. Se aproximaram de mim. Sairam do palco, depois de fazerem as hélices humanas e ficam passando, na minha frente, nas passarelas latgerais se dirigindo para as poltronas vazias
"Áis" e "ohs". Muitos!
Olho para trás. A faxineira boquiaberta e outras pessoas espiam. Fiz sinal para o iluminador não fazer nada, nada; nem o sonoplasta, dublê de músico. Levantei as mãos. Fiz sinal. Não façam nada.
Ainda não vira eles fazendo estes "ohs' e "úis", nunca! Muitos "ahs" e "úis", ainda não tinha visto nem ouvido isso! Depois da valentia do quadro do protesto e das hélices humanas, isso me deixou louco do coração.
Chego quase a levantar-me, estupefato, mas fecho as pálpebras de novo. Talvez uma música estragasse tudo. A iluminação tinha que ser natural, Marcello Guido olhou-me considerando que eu é que dirigia, ficou pensando naquela iluminação crua enquanto os "ohs" e "ahs" se repetiam com uma cadência de peito,com todo um gestual. Algo tão emocionante. E, surpreendente. Seguidas vezes. Andaram dando pulinhos. Ouvi os aplausos, atrás das poltrona. Claro de quem!
Com a ajuda do sonoplasta, imagino, conseguiram dois violões agora, quando saem de perto de mim, naturalmente, como se não fosse nada. Vão para a rua, um atrás do outro, pelos ônibus, pelas calçadas vão para a rua! Nâo acredito!
Eu não sabia... pensava que iam para o camarim...afinal tinha estado lá Há pouco. Então estão a cantar perto à mesas de restaurantes e bares? Que diz essa gente que me telefona a me comunicar isso? Ah, grito alto. AH fico trágico.
Então estão numa destas mesas, e alguém pode indignar-se por estarem cantando Beatles, vulgarizando tal repertório! Era possível. A companhia na cadeira ao lado de quem acharia isso, disse, soltando uma boa baforada, que não esquentasse com o "cabaret"!
Um outro, lateralmente, daria boas gargalhadas ao eles passarem em volta de outra mesa, desta vez desfilando, com primor e ironia, garantem, e eu acredito, versos de grandes sucessos de Buarque Chico!
Aí alguém gritará: moleques!
Todos os comensais se levantam. Os garçons todos de branco ficam parados.
Barulhos de cadeiras arrastadas poderiam ser ouvidas e o pessoal da cozinha, vizinhos acorrem para ver.
Meu Deus! Sou só um pequeno jornalista de jornal de bairro que quero que eles voltem para o Teatro O Mais da Vida e agora! Estamos num palco! Nâo foi para isso que ela conseguiu o patrocínio? Não quero saber de confusão de rua, não gosto de rua. Gosto muito da calma que sinto ao organizar um blog que mantenho e viver com o dinheiro que posso ganhar. Gosto de ficar nu agora!
E de pé, me contam que na rua eles surpreendem aos pedestres ao correrem com os violões sobre as cabeças, meio encolhidos, apesar de Tonho ser alto e bonito e Tõnia despachada e bonita. Mas é que são calados.
Chovia.
Preocupado, estou preocupado.
Aonde foram, meu Deus. Não sabia. Depois pediram que eu escrevesse onde. Eu não sabia. Eles é que tomaram rumo.
A espera era maior do que o teatro e poltronas. As caras que poderia encontrar se começasse a andar de um lado para outro! A espera era maior que os carros. Que os postes de luz. Que as árvores.
Estou nú. Olho de lado. Demoro-me muito de lado, à espera. E me visto.
No quarteirão,espalhados, a faxineira e seu uniforme gasto; o segurança e sua calça desbotada. O porteiro do prédio. Os taxistas e camelôs e toda uma variedade de camisetas iguais e celulares, cabeças raspadas...tatuagens de gente que podia estar ali na frente!
Todos, todinhos, como os jornais não noticiariam, todos, ficaram em frente ao Teatro O Mais da Vida, como está escrito no grande cartaz um pouco acima das árvores que não estão sendo agitadas pelos ventos agora; cartaz onde ainda não está Semi-Esforço anunciado em letras grandes.Nem seus nomes, nem o meu. Na calçada que está molhada. E o nome SEmi-Esforço não é ainda visível, exibido.
Só uma brisa.
Vêem eles passarem pela frente do teatro com os violões debaixo do braço e os acompanham com suas cabeças num movimento quase único, de todos. Silenciosos.
Imploro se secarem. Imploro. No camarim sentam-se, cotovelos, braços e antebraços apoiados pelas mãos nas coxas. Nas suas cadeiras não dizem nada, lá. Nem eu, cá. Tenho vontade de falar muito, mas são dessas pessoas que não ligam mesmo se reclamam delas e não quero me aborrecer. Costumo ser calmo, preservar minha paz apesar de tantas vezes me ver envolvido por agitações.
Vou, vou ao camarim. Providencio com alguém que espia uma toalha e fico falando baixo coisas da minha vida,só não choro. E falo o que estavam fazendo. E marco a hora do ensaio para amanhã cedo. Digo num tom meio professoral e, sem mais delongas, fricciono a toalha em seus pêlos, em seus sexos. A equipe pergunta-se sobre o que tinham feito mesmo.
Tonho, mais alto, afasta os cabelos que lhe caem à testa, até espirrou e Tonia passa a mão, quase como uma espátula, no seu corte de cabelo Jean Seberg. Olham para o lado como se não fossem com eles, além de não dizerem nada. Claro.
A faxineira se inclina e fica ao lado, de frente sem disfarçar curiosidade, espanto. Ela pede licença e os ajuda a vestirem os bermudões e camisões nos quais custam a achar o lado direito. Eu fico a esperar, passo as mãos na barriga, com fome. Passo a mão na nuca. Pessoas espiam.
Estão às voltas agora com a procura das casas para os botões. Confirmam a hora, balançando as cabeças. Verdadeiros avatares do meu Second Life. OLharam para mim depois de pensar isso. Nos sorrimos.
Saí do camarim e olhei para o palco, uma luz o guardava. Ouvi o barulho de nós cairmos no palco, do estrondo na madeira. Mas por que m lembrava agora mais disso do que de seus rostos iluminaos e seu movimentos corporais relampejantes?
Sempre cismo como a arte engrandece, ou minimaliza a vida em sentido temático, formal, ultrapassando as fronteiras. No nosso caso, temáticamente, eu queria, e eles estavam neste movimento,um espetáculo desenfreadamente impulsivo. As formas perfomáticas deste espetáculo eram uma força em que eles investiam. Eu entendia que Tônia, filha de um historiador, achava no corpo um meio imediato, e de todo o dia, para plasmar, não uma violência cênica, mas um confrontar-se com nada sutis situações e subjetividades do país.Olhei para trás. Esperei para sairmos juntos.Comigo.


(continua em posts lá em cima

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