segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

À Luz do Teatro Esforço 1

Fixo-me no esforço de seus corpos, meio à vibração do ar condicionado do teatro, frente à platéia ainda vazia. Fico os olhando: são mais importantes que palavras que não dizem agora. Eu é que digo, porque estou escrevendo para eles. Sou jornalista, e escrevo para teatro pela primeira vez!
O silêncio no palco( assistidos pela faxineira, a Neyde, atrás da poltronas) não é igual ao silêncio da sala de espera. Acho que o Zito está chegando lá. É nosso músico, e sonoplasta. Ele chega. Neyde rapidamente o olha
Tonho e Tônia estão sob luz tênue do Marcello, nosso iluminador, que, inquieto, aí vai começar a mexer na luz.
Os cabelos de Tonho caem à testa; olha para a frente à procura de expressão sem muita preocupação imediata. As cadeiras da platéia imóveis. Tonho está sempre atento.
Os cabelos de Tõnia são pintados de louro " por causa da moda ", ela já disse, debochada. Ela, aliás, é quem conseguiu o patrocínio de uma rede de supermercados. Isso é incrível, Tonho sempre comenta e ela passa as mãos nos cabelos curtos. Sabe-se lá o que fez, eu digo para eles rirem. Ela baixa, firme, o arguto olhar.
Estão sérios. Tonho e Tônia, na boca da cena e eu no fundo do palco, folheio meio imóvel o objeto de cena "jornal". Eles estão se preparando.
Tônia levanta o rosto, rápida, à luz de Marcello se intensificar; logo as mãos de Tonho abrem-se e fecham-se. Estou quieto, ao fundo.
Os conheci de uma matéria que fiz sobre suas perfomances na rua para o jornal Semi-Urgente. É onde trabalho. E estreamos neste palco desta sala montada em casa histórica. Aqui estamos. Zito aparece na platéia, molhado; é que deve chover lá fora. Ninguém comenta, concentrados, seu atraso. Se apressa.
As frases de um jornal são cortantes, eu sei, mas o que escrevi sobre suas perfomances foi sobre eles serem artistas que transparecem no que fazem; publiquei eles serem gente livre por causa da arte. Publiquei no jornal e também no meu blog, o PROG. Depois trarei para cá, em outro capítulo. Zito subiu para a cabine e Tonho abre e fecha as mãos. Tônia articula os lábios mas não pus palavras, ainda.
No dia que se seguiu ao que a matéria saiu, Tônia foi à redação do Semi-Urgente. Tonho então ficou na calçada olhando para o tránsito; eu o vi, calmo, pela janela da redação enquanto Tõnia colocava fotos que não eram só deles sobre à minha mesa e scaniei algumas pro PROG. Ela as vezes sorria, outras seu lábios ficavam duros, firmes.
Ainda não nos conhecemos muito, mas às vezes parece. O Marcello intensifica a luz. Ele quer, ao mesmo tempo, insinuar uma luz amarela. Diz que esta cor quente, solar, é necessária referência da cidade do Rio de Janeiro e a quer, assim como daqui a pouco apagará todas as outras.
Tõnia mexe os lábios, dizia. Largo as letras grandes do jornal no chão. A luz de Marcello aumenta, aumenta. Vi o Zito agora entrar na cabine do som.
Tonho percebe o movimento labial de Tônia. Suas mãos apóiam-se nas coxas e vira bruscamente o corpo para o fundo do palco.
Publiquei fotos, também no PROG, deste movimento inicial do espetáculo-perfomance. Ensaiamos. Eles estão vindo para o fundo do palco!
Já aconteceu de me falaram muito de shows históricos, como Opinião com Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale ao mesmo tempo que falam do filme Cabaret. Aproximo minha cara. Marcello agita os refletores. Vejam o nome no cartaz: Semi-Esforço: VISION, leia o cartaz na calçada.Veja! Venham!
Lá vêm eles, a abrirem os braços, correrem para o fundo da cena, a gritarem! Gritos do áudio ! Estranho ficou. Zito pré-gravou.
Muitos carros passam lá fora. Luz estramboscópica no palco. É aqui! Podem vir, motoristas!
Meus braços balançam-se, balançam-se, balançam-se na alucinação da luz; os deles se estendem para os lados. Se esticam para cima, para baixo, como se fossem bandeiras hasteadas para todos os lados. Braços esticados em sinal de prontidão. Como os do Redentor em que eles se inspiraram. Tônia quis essa referência. Eu publiquei uma imagem de Jesus no blog PROG. Só ele e uma frase embaixo sobre o amor vigilante.
Chegam à frente; balanço os braços no meio do palco do Teatro O Mais da Vida.
Os pés batem forte no tablado e podem ser ouvidos até por quem poderia estar na sala de espera, vazia e silenciosa. Lá fora os carros. Sinto a respiração e os meus braços vão parando. Pararam.
Uma criança, será que perguntaria como se pode escrever sob luz estramboscópica? Bem...falar este nome... E um adolescente?Prestaria atenção em como se pode fazer teatro acionado por uma tempestade de teclado? Preciso aprender a fazer teatro. Por enquanto penso em diálogos, em monólogos e eles propõem coisas, falo outras ( e Marcello e Zito também, apesar de ouvirem mais, mas quando falam às vezes é decisivo). Do nosso cenógrafo é de quem ainda não falei.
Atenção! A luz apaga e ouve-se o sonoplasta, o Zito, experimentar trilhas. O iluminador Marcello não está visível no momento.
A faxineira ao fundo da platéia, cabeça recostada nas mãos que seguram uma vassoura, pergunta se faltou luz. E surge a voz de Tônia gravada no áudio.
"Estamos num paraiso percorrido por rios de dinheiro cheios de taxas, gente levada por correntes de fim de mês e quadrilhas às suas margens, sob sol enlanguescente que nos faz tirar a roupa, e nos enlanguescer sob flashes mais rápidos que aviões." A voz dela pára e começa a dele, como eco, chiando "flashes"muitas vezes e ao vivo, não no áudio! Tônia sorri , como se tivesse dado certo o efeito. Discuto com ela este sorriso.
Esse áudio e a voz de Tonho demoram um tempo, até esfriar e, numa hora, caem no chão do tablado , com estrondo. A luz normal da sala de espetáculo se acende.
A faxineira se assusta. Odete toma um susto com aquela naturalidade crua.


Rômulo de Almeida Portella, julho/ agosto do nº 2007

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