segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Doce pássaro da Juventude

Adormeceu.Antônio C adormeceu e tem passos na calçada escutados ainda a esta hora. Deve ter sido o mesmo cubista que a cada pulo que dava, enquanto dançava na sala, levantava um braço. Outro pulo, outro braço. Deve ser ele que olhou da calçada para a janela de Antônio C. Abajur na mesa de cabeceira transparecia o ambiente do quarto, morno e tranquilo enquanto a chuva caía. Deve ter sido ele que demorou a fechar a porta do apartamento de Antonio C, querendo lhe falar.
Os pingos da chuva caem da marquise daquele edifício sem fazerem barulho torrencial na calçada esburacada e de rachaduras e depressões que se estendem até o asfalto.
Aos pingos Tonho e Tônia ouviam, naquela noite, de olhos abertos. Seus olhos quase a se fecharem.
Tonho
Hein
Sabe aquela volta que você faz, quando apóia as mãos nas coxas, e curva-se para sua frente, dando costas para o público, antes de corrermos para o fundo do palco?
Sei, ele disse, sem tirar os olhos da revista que folheava.
Tá muito lindo. Quando você apóia as suas mãos nas suas coxas, e vira, bruscamente, gira sobre si mesmo, mãos apoiadas nas coxas,e, muda as posições das pernas, fortes, antes de ir até o fundo...
Sinto-me bem naquela parte. Também gosto quando você abre os braços e corre comigo até o fundo do palco. Repõe a revista Bondinho ( ou seria Trem?)na banca do jornaleiro.
E Tonho sacode a cabeça, estava encharcado de água de chuva.
Olha, em vez de só uma ida e volta, vamos fazer mais algumas? Até chegarmos à parte dos braços revolucionários...não sei direito, Tonho.
Seria repetitivo, talvez, Tônia. Ela ao lado dele. Ele passa a mão aberta no rosto dela. Ela recosta a cabeça em seu ombro, antes a mão passara rente aos seus cabelos à la Jean Seberg.
Como andaram e gritaram naquele duro dia! Duro.
O dia em que cantaram repentes (rostos confessam transparentemente)irônicos e debochados, até num restaurante chique não longe do teatro O Mais da Vida. É um dia. Foi, vê-se, em que a chuva torrencial cai por toda parte mas todo muito às vezes acostuma. Principalmente se à tarde parou um pouco. Só que ali, debaixo da marquise, parecem, abraçados, esperar passar tudo. Mas foi um dia em que o ensaio começou a exigir deles uma sutileza, e entrega, de que talvez fugiram ao dar aquela louca de irem cantar na rua.
Sutileza e entrega de Antônio C também, que apesar de ser tão verbal, eles já notaram que está dando tudo, muito, tudo de si. E não é fácil, quando se faz algo amorosamente na realidade, algo que para ser real mesmo deve exigir o que, ainda, não temos muito.
Sim, necessitavam de um movimento maior? É. Porque compreende-se mas que foi algo meio estabanado, porra louca, como se diz...deve ter sido(rostos olharam).
É. Foi um dia a ser registrado, também para a História, se quiserem, já que não foram castigados pela polícia quando ainda não tinha se inventado os bandidos. E na noite deste dia duro de canções na rua estão ali a ouvirem os pingos cair da marquise, serenos ao invés de só cansados.
Desencadeamos nossos "ohs" e nossos "ahs", somente. E os pingos caem da marquise. Só que Antônio C, no quadro do tombo cru no palco, e ao pular e falar muito da platéia, foi ainda mais radical até, vocês não sabem como ficou preocupado com vocês.
Não notou que quando recosta a cabeça na poltrona do teatro, de olhos fechados, e os abre, ele parecia estar afinado com o imaginário da dor e rebeldia? Tonho diz, pensando que ele deveria estar dormindo agora. É. Tonia passa as mãos nos cabelos curtos.
Tonho acha que Antonio C confia neles, até de olhos fechados, e à vontade.
Antonio C estava mesmo à vontade, se lembram também quando andaram juntos? .É que as coisas ficaram delicadas. Porque, Tõnia achava, os ensaios estão bem enlouquecedores.
Tonho repõe outra revista no lugar.
Antes de deixarem os pingos da marquise e, já com saudade dali, irem sob a chuva nua até outro abrigo nesta noite that had been a hard days night poderiam pensar, e começarem a pensar, que podiam trabalhar mais muitos outros comentários vivos, fatos...poderia ser.
Sim, foi o que Tônia ponderou enquanto passava, forte, suas mãos abertas pelos curtos cabelos, os espremendo com as mãos bem fortes para deixarem de ficar tão cheios de água. Muitos "ohs" e "úis"...dizia para Tonho, virando seu rosto para ele, fazendo seu perfil ser percorrido pela água que escorria.
Tonho tentou sorrir, mas vê-se que sua segurança é silenciosa.Só se uma outra ocasião, e circunstância,l he fizessem mais relaxado para falar
É, parecia mesmo que poderia ser assim.
Tonho agitou a cabeça, espalhando água, ficou forte sob os pingos da marquise.
E começaram a sair de lá.
Começaram a se despedir dos pingos que pareciam cair até certo ponto, da eternidade. Tonho piscou o olho, chupou o dedo onde um pingo caiu de despedida, pelo menos por enquanto, até ele voltar para comprar, numa outra hora, uma revista de que tinha gostado na banca ali. Numa hora. Depois mostrar para Antonio C, talvez. Era sobre o quê?
Correram por outro quarteirão, protegidos por um calhamaço de jornal O Globo que um conhecido ex-jornalista, morador de apartamento num 1º andar, lhes estendeu, passando pela banca,quando voltava para seu apartamento no 1º andar, não longe dos pingos da marquise que caiam ali, na calçada esburacada e de rachaduras e depressões que se estendem até o asfalto.
Tonho quando dormia costumava ouvir gritos à noite, da rua, de madrugada, que eram diferentes dos gritos teatrais mas que, pensou, poderiam ser assumiodos, numa espécie de A idade da terra. Antônio C diria, bêbado e livre das responsabilidade com os conceitos, e realidades. Era, veja bem, como aconteceu com a forma da chanchada porque identifica-se um primitivismo sem o aspecto lancinante de uma vanguarda européia e, Antonio C continuava numa destas noites, quando sentavam num bar, após ensaios, que tudo era uma zorra total, um grito, uma selva de pedra e cidade de Deus, paraíso. Ah sim, Tonho concordou com a cabeça como se assim mesmo fossem as coisas e bastava ele concordar, para querer outras. Que poderiam ser. Olhou para o lado, para longe.
Olhar longe, mas conciso, naquela noite num bar. Antonio C fumava muito e Tonho voltou-se para ele, sem cigaros e sem muito álcool, naquela noite num bar. E notou que seu amigo diretor estava à beira de precisar muito dele, naquela hora.
Tonho era conciso, passou a sua mão na dele, naturalmente, um olhar próximo. NAturalmente. Só em cena se pode dizer que ele é verdadeiramente um PROG, um Bructum. Ou naquela noite ou em outra tarde, quando, ao lado de Antonio C, e Tônia, sentiu um criador de PROGS e riu muito e foi quase sem modos!
Em suas sandálias de plástico correm atravessando a rua não sob trench-coats ou parapluies de Cherbourg. As sandálias de Tônia patinavam nas poças suas cores amarelas douradas, e azul profundo e eles davam juntos seus "ohs" e "úis".
Tõnia e Tonho corriam e seus olhos confiavam nele.Suas mãos segurando o calhamaço do jornal.
Corriam com os braços soltos, abertos para os lados. Parados agora e calados. Tônia parece ter uma consciência clara sobre o que faz. Ele tem consciência é de que a vida é longe.
Chegaram num abrigo de ponto de ônibus com pingos lhes cobrindo as faces e se as luzes das ruas brilhavam assim em seus rostos, gostaram sem mais comentários.
Seus braços quietos lateralmente. Ele não podia ir para casa dela, hoje à noite. Tõnia arranjava as coisas, mas hoje seus pais estavam recebendo e ela não queria ir para lá com aquela gente. Claro que Tonho diz "que que tem?!"
Um ônibus passa e dá um chuá de água sobre eles que, de pronto, recuaram, e se puseram a gritar uma marchinha carnavalesca " deixa a água rolar...as águas vão rolar"
Todos os olharam.
Ao lado tinha um cinema ainda aberto, com sessão à meia noite. Um filme francês de um diretor novo, Pierrot le Fou, estava anunciado. Fazia-se já uma fila.
...se entreolharam. Deram-se as mãos e foram saindo de mansinho do abrigo onde senhores e senhoras estavam meio zangados. Passo a passo, devagar, olharam o cartaz. Uma figura em pé,de braços abertos caía para a frente no seu vestido vermelho.
E comprados os ingressos, com o dinheiro curto de amanhã, sussuraram, no saguão da sala de projeção cinematográfica, como uma grande toalha azul felpuda ali fazia falta ( riram bem baixinho ali de Antônio C os enxugando no camarim do teatro O Mais da Vida onde ensaiavam o espetáculo-perfomance Semi-Esforço).
Um sino poderia ser ouvido na sala de exibição. O filme vai começar. Antes foram ao banheiro.
Ela de short branco, cavadíssimo, e cintura baixa, espera uma mulher abrir a porta,com as mãos por dentro do cós. Ele esperou um homem sair do mictório...e abre a braguilha.

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